Reabertura de estrada no Parque do Iguaçu deve aumentar a caça e a extração ilegal de palmito

Vista aérea do Parque Nacional do Iguaçu. (Foto: Maury Santos, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

20 Julho 2022

 

 

 

 

 

A reportagem é de Suzana Camargo, publicada por Mongabay, 18-07-2022.

 

Com 185 mil hectares, o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral criada com o objetivo de preservar um dos mais significativos remanescentes da Mata Atlântica na América do Sul. Em áreas com esse status de preservação, são proibidas atividades como caça, pesca ou qualquer outro tipo de exploração de recursos naturais.

 

Apesar disso, entre 2009 e 2019, a Polícia Ambiental e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) registraram mais de 1.300 autos de infração no parque, entre eles caça de animais e extração de palmito juçara, retirado de uma palmeira nativa (Euterpe edulis), ameaçada de extinção.

 

Especialistas, porém, temem que o número desses crimes possa crescer ainda mais caso seja aprovado algum dos dois projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, o PL 7123/2010 e o PL 984/2019 — este de autoria do deputado federal Nelsi Coguetto Maria, mais conhecido como Vermelho, que tem apoio público do presidente Jair Bolsonaro.

 

Ambos os projetos de lei propõem a reabertura da Estrada do Colono, que corta o Parque Nacional do Iguaçu de norte a sul, para a criação de uma nova categoria de Unidade de Conservação no Brasil, a de Estrada-Parque. O trecho está fechado desde 2001 por determinação do Superior Tribunal de Justiça.

 

Construída na década de 1950, a referida estrada tem pouco mais de 17 km. Liga os municípios de Serranópolis do Iguaçu, com aproximadamente 5,5 mil habitantes, a Capanema, com pouco mais de 19 mil moradores.

 

Mapa do Parque Nacional do Iguaçu com a Estrada do Colono em vermelho. (Imagem: Prasniewski et al. | Mongabay)

 

Ao longo dos últimos 20 anos, o trecho já foi praticamente recoberto pela vegetação. Todavia, sua reabertura ainda é um tema polêmico na região. Organizações ambientais são contra — citam o impacto que teria sobre a população de onças-pintadas (Panthera onca) do parque, a única que apresenta crescimento no bioma Mata Atlântica.

 

Vermelho defende que a reabertura “corrige uma histórica injustiça (…) e atende ao clamor social de décadas do povo paranaense, resgatando a história e as relações socioeconômicas, ambientais e turísticas da região”.

 

Para sair da discussão política e cultural, um grupo de pesquisadores decidiu quantificar qual seria o impacto sobre os registros dos crimes no parque caso veículos voltem a circular pela Estrada do Colono.

 

“Nosso principal objetivo foi mensurar os efeitos sobre a principal função do Parque Nacional do Iguaçu, que é a proteção integral da biodiversidade”, diz Neucir Szinwelski, professor de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e um dos coautores de um estudo publicado na Environmental Research Letters.

 

10 mil hectares abertos ao crime

 

O levantamento foi feito a partir de um modelo estatístico. A maior parte dos crimes ocorre próximo às bordas das estradas que circundam o parque e também perto de rios e encostas mais planas. “Nós já sabemos que essas áreas são as mais suscetíveis aos crimes, já que o deslocamento dentro da mata é difícil”, explica o biólogo Victor Mateus Prasniewski, doutorando do Programa de Ecologia e Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal do Mato Grosso e o principal autor do artigo.

 

Com dados obtidos de diversas fontes, como a área de fiscalização do ICMBio e o corpo de guarda-parques do vizinho Parque Nacional Iguazú, na Argentina, os pesquisadores sobrepuseram os registros feitos na última década de quatro tipos de delitos — acampamento, caça, pesca e extração de palmito — sobre o eventual mapa da região com a Estrada do Colono em funcionamento, ou seja, com mais áreas acessíveis para os criminosos.

 

“Todos os cenários que modelamos demonstram um aumento dos crimes. Se a estrada for reaberta, uma área de 10 mil hectares em torno dela será mais suscetível à caça, pesca e extração do palmito”, alerta Szinwelski. “Abrir uma estrada ali é completamente inviável. A vegetação já está completamente regenerada e não há nenhum fundamento para a reabertura. Sabemos que as espécies serão impactadas”.

 

Apreensão de equipamentos de extração de palmito e prisão de dois homens no Parque Nacional do Iguaçu junho de 2018.
(Foto: Polícia Militar do Paraná | Divulgação)

 

Segundo o professor da Unioeste, todos os mamíferos de pequeno e médio porte ficariam mais ameaçados. Isso inclui não apenas a onça-pintada, mas dezenas de outras espécies, entre elas cutias, pacas, veados, porcos-do-mato, catetos, antas e onças-pardas. Ele cita ainda o maior risco que aves correriam de ser caçadas para abastecer o tráfico ilegal, como tucanos, jacutingas e macucos.

 

Aves estão entre as maiores vítimas de caçadores ou traficantes que abastecem o mercado de animais silvestres. Na imagem, um tucano-toco (Ramphastos toco), uma das espécies que habitam o parque.
(Foto: Charles J. Sharp, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

 

No caso da pesca, por exemplo, os pesquisadores preveem que haja um aumento de 10% da suscetibilidade de ocorrência do crime na região caso a estrada seja reaberta. Já a extração do palmito chegaria a quase 15%.

 

“Quando você abre uma estrada você facilita o acesso. O PL 984/2019 propõe a criação da estrada como uma via rural, então será de acesso livre”, alerta Prasniewski.

 

Abastecendo a demanda do mercado ilegal

 

A caça faz parte da cultura em muitas comunidades rurais, uma prática ainda considerada aceitável sobretudo para uma geração de pessoas mais velhas. “Muitos dos infratores presos pela polícia têm entre 50 e 65 anos. Eles sempre caçaram e continuam caçando. A questão cultural é muito clara. As pessoas vão lá simplesmente pelo prazer e pelo gosto por essa atividade. Montam um acampamento, cortam lá um palmito, matam um animal, comem ali ou trazem para casa e pronto”, diz Szinwelski.

 

Entretanto, sabe-se que tanto a extração de palmito quanto a caça e a pesca de algumas espécies específicas são feitas para abastecer a demanda de um mercado ilegal de produtos considerados como iguarias por consumidores com alto poder aquisitivo, e também, sem preocupação em estar infringindo a lei.

 

Ou seja, os animais são mortos para que sua carne seja consumida. Segundo o professor da Unioeste, pelo que se ouve na região, o preço de uma paca varia entre R$ 800 a R$ 1 mil e o de um cervo pode chegar a até R$ 2 mil. “Diante de uma prisão, que pode não acontecer, caçar e conseguir numa noite um valor que pode se equiparar a um salário mínimo ou mais, os criminosos preferem correr o risco”, diz Szinwelski.

 

O que torna a prospecção da possível reabertura da Estrada do Colono ainda mais preocupante, é que, desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o governo e colocou em prática uma política armamentista, estimulando o porte de armas entre a população, houve um salto de 333% nos novos registros de armas para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas de fogo). Entre 2018 e 2021, o número passou de 59.439 para 257.541.

 

Com mais armas na mão e uma estrada que tornará ainda mais vulnerável a fauna e a flora do Parque Nacional do Iguaçu, será quase impossível que a principal função desse que é considerado Patrimônio Natural da Humanidade seja cumprida: a proteção de sua biodiversidade.

 

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